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Irineu de Lião - uma breve biografia


Na galeria dos grandes pais da igreja considerados antignósticos ou polemistas antignósticos, Irineu está assentado em posição de honra entre aqueles que galhardamente batalharam pela fé, que de uma vez por todas foi entregue aos santos. Ler, observar e tocar na historia da igreja sem fazer menção desse gigante da fé cristã, é incorrer no obscurantismo absoluto da mesma. Irineu fora um luzeiro de Cristo em dias cuja escuridão do paganismo, que em alguns momentos se travestia de cristianismo, assolava o império romano e rondava o arraial do povo de Deus. Como um leão defende seu território, assim Irineu de Lyon (ou Lião) defendeu com toda coragem e brio o cristianismo, legando-nos um exemplo de inteligência, fervor, fé e amor por Cristo e sua igreja acima da própria vida. Como disse Eusébio sobre Irineu e os demais pais da igreja: “que possamos ter esses homens primitivos e verdadeiramente santos, como os mais nobres exemplos diante de nós”. (EUSEBIO, 1999, p.189).



Patrologia de Irineu


Irineu veio da Ásia Menor, sendo natural da Frigia e nasceu provavelmente na cidade de Esmirna. Infelizmente não há pormenores sobre a vida de Irineu. Em sua juventude ele fora aluno de Policarpo que por sua vez fora aluno do apostolo João. Desconhecidos são os motivos que levaram Irineu para Gália (atual França), o que com propriedade se sabe é que ele foi presbítero da igreja de Lyon. Por essa igreja ele chegou a ser enviado a Roma com a incumbência de levar ao Bispo Eleutério à carta dos confessores de Lyon, para a paz das igrejas, na mesma época em que Justino, o Mártir, estava lá (FRANKLIN, 2006, p.31). Em 177 d.C. Fotino, primeiro bispo da igreja de Lyon, morreu como mártir, em virtude de maus tratos que sofreu na prisão. Após sua morte, Irineu o sucedeu no bispado de Lyon permanecendo ali até sua morte no inicio do terceiro século, provavelmente 202 d.C. (GRANCONATO, 2010, p. 139).
Na epístola dos mártires a Eleutério, eles louvam a Irineu dizendo: “Oramos e desejamos, pai Eleutério que possas regozijar em Deus em todas as coisas sempre. Pedimos a nosso irmão e companheiro Irineu que levasse a ti esta epístola e exortamos que o consideres recomendado a ti como zeloso seguidor do testamento (aliança) de Cristo. Pois se soubéssemos de alguma posição que pudesse conferir justiça a alguém, com certeza o recomendaríamos entre os primeiros como presbítero da igreja, o posto que ele ocupa” (EUSEBIO, 1999, p. 170). Irineu foi muito querido entre os irmãos.


Irineu escreveu varias obras importantes. Tanto livros como epistolas. Eusébio falando das obras eloqüentes de Irineu que chegara até seus dias cita a epistola dirigida a Blasto Acerca do Cisma em Roma, e outra a Florino Acerca da Soberania, sobre a verdade de que Deus não é o autor do mal, pois esse sustentava essa opinião. Também escreveu o Ogdôade, ou o numero oito... Do conhecimento, contra os gregos como prova da pregação apostólica (EUSEBIO, 1999, pp.188,196). E das obras de Irineu que de fato chegaram até nós somente duas foram preservadas: Adversus Haeresis (contra as heresias) e Epideixis (proclamação apostólica) achado numa versão armênia em 1904.


Uma característica peculiar em Irineu era que ele, em detrimento de outros pais da igreja, como Justino, focava seu ministério nos escritos bíblicos e não na filosofia grega. Irineu rejeitou o conceito de cristianismo mantido pelos apologistas, a saber, que ele é a verdadeira filosofia. Recusou o auxílio da especulação grega, e não concordou com os que diziam que o conteúdo da revelação era simplesmente uma nova e mais perfeita filosofia. Para ele a bíblia era a única regra de fé (HÄGLUND, 2003, p.36). Ficando conhecido, portanto, como um teólogo bíblico no melhor sentido do termo.


Patrística de Irineu


Não é coisa fácil para qualquer escritor ou acadêmico resumir em poucas linhas o pensamento iriniano1 ou extrair a suma de suas obras. Visto que na vastidão com que Irineu escreveu com profundidade lógica e esteticamente bela presente em suas argumentações, tornando cada linha e silaba tão importante, como peça de engrenagem no todo do discurso, fechando todos os flancos que poderiam existir deixar alguma coisa de fora não é tão confortável quanto parece. Todavia, isso não nos desanima em tentar cumprir este magno desafio em tão pouco espaço.


O pensamento de Irineu se formata a vista da igreja em sua mais famosa obra Adversus Haeresis escrita por volta de 185 d.C.. Esta obra foi uma veemente refutação ao gnosticismo vigente no séc. II, muito disseminado por um determinado líder do gnosticismo romano chamado Valentino. Se fazendo valer não somente das obras de Valentino, mas de outros hereges da época como Marcião, Ptolomeu etc., e ao mesmo tempo se fundamentando com as Escrituras e com a tradição da igreja ele produziu esta perola da apologia cristã. Essa obra é divida em cinco livros. Seu propósito em escrever a mesma é muito claro quando diz:


[Nós] nos esforçamos em pôr às claras e apresentar o corpo feio dessas raposas. Já não serão necessários muitos discursos para refutar uma doutrina que se tornou conhecida de todos. [...] Assim nós, que manifestamos os seus mistérios escondidos e envolvidos no silencio, não precisamos de muitas argumentações para refutar a sua doutrina. Torna-se fácil para ti e para os que estão contigo exercitar-vos sobre tudo o que já dissemos derrubar suas doutrinas falsas e mostrar como discordam da verdade. (apud FERREIRA, 2006, pp.32,33).


Esses cinco livros em suas divisões versam sobre os seguintes pontos: o Livro I de cunho mais histórico, versa sobre a polemica com Valentino, trazendo informações sobre os ensinos dos gnósticos; no Livro II ele trabalha em defesa da unidade de Deus, desmontando com isso a idéia de um demiurgo distinto do Deus soberano; no Livro III Irineu destrona o gnosticismo lançando mão da Bíblia Sagrada e da tradição da igreja; no Livro IV Marcião é condenado pelas palavras de Cristo que se opõe as idéias canônicas de Marcião; no ultimo livro ele sai em defesa da doutrina da Ressurreição que os gnósticos faziam questão de negar, já que em suas concepções a matéria má não pode ressuscitar ou voltar a se unir com o espírito, cuja essência é boa. No Livro III Irineu enfatiza a unidade da igreja, a sucessão apostólica e de uma regra de fé (CAIRNS, 2008, p.95).


Enquanto os dois primeiros livros estão mais preocupados em negar a validade dos ensinos gnósticos, os três últimos dedicam-se a expor a posição cristã. Ele estava consciente de que a única forma da igreja sobreviver aos sutis ataques dos hereges era se mantendo coesa em torno do cânon, dos bispos e dos credos.


Portanto, se faz necessário juntarmos-nos a Franklin Ferreira quando ponderando sobre Irineu disse com profunda acuidade: “Irineu tem grande relevância em nossa época, marcada por uma forte ênfase em questões místicas e esotéricas, que vem ocupando espaço até mesmo na comunidade cristã. Ao rejeitar qualquer especulação, ao reafirmar a doutrina cristã com ensinada pelos apóstolos nas Escrituras, o estudo de sua teologia pode vir ser a fonte de renovação teológica nos dias atuais” (FERREIRA, 2006, p.38).


BIBLIOGRAFIA


CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos: uma historia da igreja cristã. São Paulo, Vida Nova, 2008.
CESARÉIA, Eusébio. História Eclesiástica: os primeiros quatro séculos da igreja cristã. Rio de Janeiro, CPAD, 1999.
FERREIRA, Franklin. Gigantes da Fé. São Paulo, Vida, 2006
GRANCONATO, Marcos. Eles falaram sobre o inferno: a doutrina da perdição eterna nos primeiros cristãos. São Paulo, Arte Editorial, 2010.
HÄGLUND, Bengt. Historia da Teologia. Porto Alegre, Concórdia, 2003.
1 Pensamento de Irineu.

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